Lição
de Botânica
Textos-Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, vol. II,
Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
Publicado originalmente em Relíquias de Casa Velha,
Rio de Janeiro: Editora Garnier, 1906.
PERSONAGENS
D. Leonor
D. Cecília
Barão Segismundo de Kernoberg
Lugar da cena: Andaraí
D. Leonor entra, lendo uma carta, D. Helena e D. Cecília
entram no fundo.
D. CECÍLIA (a D. Helena, depois
de um silêncio) — Será alguma carta de namoro?
D. HELENA (Baixo) — Criança!
D. LEONOR — Não me explicarão isto?
D. HELENA — Que é?
D. LEONOR — Recebi ao descer do
carro este bilhete: "Minha senhora. Permita que o mais respeitoso vizinho
lhe peça dez minutos de atenção. Vai nisto um grande interesse da
ciência". Que tenho eu com a ciência?
D. HELENA — Mas de quem é a carta?
D. LEONOR — Do Barão Sigismundo de Kernoberg.
D. CECÍLIA — Ah! o tio de Henrique!
D. LEONOR — De Henrique! Que
familiaridade é essa?
D. CECÍLIA — Titia, eu...
D. LEONOR Eu
que?... Henrique!
D. HELENA — Foi uma maneira de
falar na ausência. Com que então o Sr. Barão
Sigismundo de Kernoberg pede-lhe dez minutos de
atenção, em nome e por amor da ciência. Da parte de um botânico é por força
alguma égloga.
D. LEONOR — Seja o que for, não sei se deva receber um senhor a quem nunca vimos.
Já o viram alguma vez?
D. CECÍLIA — Eu nunca.
D. HELENA — Nem eu.
D. LEONOR — Botânico e sueco: duas
razões para ser gravemente aborrecido. Nada, não estou em casa.
D. CECÍLIA — Mas, quem sabe,
titia, se ele quer pedir-lhe... sim... um exame no nosso jardim?
D. LEONOR — Há por todo esse Andaraí muito jardim para examinar.
D. HELENA — Não, senhora, há de
recebê-lo.
D. LEONOR — Por
que?
D. HELENA — Porque é nosso
vizinho, porque tem necessidade de falar-lhe, e, enfim, porque, a julgar pelo
sobrinho, deve ser um homem distinto.
D. LEONOR — Não me
lembrava do sobrinho. Vá lá; aturemos o botânico. (Sai pela porta do fundo,
à esquerda).
D. HELENA, D. CECÍLIA
D. CECÍLIA — O que?
D. HELENA — Sonsa! Pois não
adivinhas o que vem cá fazer o Barão?
D. CECÍLIA — Não.
D. HELENA — Vem pedir a tua mão
para o sobrinho.
D. CECÍLIA — Helena!
D. HELENA (imitando-a) — Helena!
D. CECÍLIA — Juro...
D. HELENA — Que o
não amas.
D. CECÍLIA — Não é isso.
D. HELENA — Que o
amas?
D. CECÍLIA — Também não.
D. HELENA — Mau! Alguma coisa há
de ser. Il faut qu'une porte soit ouverte ou fermée. Porta neste caso é coração. O teu
coração há de estar fechado ou aberto...
D. CECÍLIA — Perdi a chave.
D. HELENA (rindo) — E não o
podes fechar outra vez. São assim todos os corações ao pé de todos os
Henriques. O teu Henrique viu a porta aberta, e tomou posse do lugar. Não
escolheste mal, não; é um bonito rapaz.
D. CECÍLIA — Oh! uns olhos!
D. HELENA — Azuis.
D. CECÍLIA — Como o céu.
D. HELENA — Louro...
D. CECÍLIA — Elegante...
D. HELENA — Espirituoso...
D. CECÍLIA — E bom...
D. HELENA — Uma pérola... (Suspira). Ah!
D. CECÍLIA — Suspiras?
D. HELENA — Que há de fazer uma
viúva falando... de uma pérola?
D. CECÍLIA — Oh! tens naturalmente em vista algum diamante de primeira
grandeza.
D. HELENA — Não tenho,
não; meu coração já não quer jóias.
D. CECÍLIA — Mas as jóias querem o
teu coração.
D. HELENA — Tanto pior para elas:
hão de ficar em casa do joalheiro.
D. CECÍLIA — Veremos isso. (Sobe). Ah!
D. HELENA — Que é?
D. CECÍLIA (olhando para a
direita) — Um homem desconhecido que lá vem; há de ser o Barão.
D. HELENA — Vou avisar titia. (Sai
pelo fundo, à esquerda).
BARÃO (á porta, depois de
profunda cortesia) — Creio que a Excelentíssima Senhora D. Leonor Gouvêa
recebeu uma carta... Vim sem esperar a resposta.
D. CECÍLIA — É o Sr. Barão Sigismundo de Kernoberg? (O Barão faz um gesto afirmativo). Recebeu. Queira entrar e sentar-se. (À
parte). Devo estar vermelha...
BARÃO (á parte, olhando para
Cecília)
D. CECÍLIA (á parte) — E
titia não vem... Que demora!... Não sei que lhe diga... estou tão vexada... (O Barão tira um livro da
algibeira e folheia-o). Se eu pudesse deixá-lo... É o que vou fazer. (Sobe).
BARÃO (fechando o livro e
erguendo-se) — V. Excia. há de desculpar-me. Recebi hoje mesmo este livro da Europa; é obra que vai fazer
revolução na ciência; nada menos que uma monografia das gramíneas, premiadas
pela Academia de Estocolmo.
D. CECÍLIA — Sim? (À
parte) Aturemo-lo, pode vir a ser meu tio.
BARÃO — As gramíneas têm ou não
têm perianto? A principio adotou-se a negativa, posteriormente... V. Excia. talvez não conheça é o que
é o perianto..
D. CECÍLIA — Não, senhor.
BARÃO — Perianto compõe-se de duas
palavras gregas: peri, em volta, e anthos, flor.
D. CECÍLIA — O invólucro da flor.
BARÃO — Acertou. É o que vulgarmente
se chama cálix. Pois as gramíneas eram tidas... (Aparece D. Leonor ao fundo). Ah!
BARÃO — Se me dá essa honra. Vim
sem esperar resposta à minha carta. Dez minutos apenas.
D. LEONOR — Estou às suas ordens.
D. CECÍLIA — Com licença. (À
parte, olhando para o céu). Ah! minha Nossa
Senhora! (Retira-se pelo fundo).
(D. Leonor senta-se, fazendo um
gesto ao Barão, que a imita).
BARÃO — Sou o Barão Sigismundo de Kernoberg, seu vizinho, botânico de vocação, profissão e
tradição, membro da Academia de Estocolmo e comissionado pelo governo da Suécia
para estudar a flora da América do Sul. V. Excia. dispensa a minha biografia? (D. Leonor faz um gesto
afirmativo). Direi somente que o tio de meu tio foi botânico, meu tio
botânico, eu botânico, e meu sobrinho há de ser botânico. Todos
somos botânicos de tios a sobrinhos. Isto de algum modo explica minha
vinda a esta casa.
D. LEONOR — Oh! o meu jardim é composto de plantas vulgares.
BARÃO (gracioso) — É porque
as melhores flores da casa estão dentro de casa. Mas V. Excia. engana-se; não venho pedir nada do seu jardim.
D. LEONOR — Ah!
BARÃO — Venho pedir-lhe uma coisa
que lhe há de parecer singular.
D. LEONOR — Fale.
BARÃO — O padre desposa a igreja;
eu desposei a ciência. Saber é o meu estado conjugal; os livros são a minha
família. Numa palavra, fiz voto de celibato.
D. LEONOR — Não se case.
BARÃO — Justamente. Mas, V. Excia. compreende que, sendo para
mim ponto de fé que a ciência não se dá bem com o matrimonio, nem eu devo
casar, nem... Vossa Excia. já percebeu.
D. LEONOR — Coisa nenhuma.
BARÃO — Meu sobrinho Henrique anda
estudando comigo os elementos da botânica. Tem talento, há de vir a ser um
luminar da ciência. Se o casamos, está perdido.
D. LEONOR — Mas...
BARÃO (á parte) — Não
entendeu. (Alto). Sou obrigado a ser mais franco. Henrique anda
apaixonado por uma de suas sobrinhas, creio que esta que saiu daqui, há pouco.
Impus-lhe que não voltasse a esta casa; ele resistiu-me. Só me resta um meio: é
que V. Excia. lhe feche a
porta.
D. LEONOR — Senhor Barão!
BARÃO — Admira-se do pedido? Creio
que não é polido nem conveniente. Mas é necessário, minha
senhora, é indispensável. A ciência precisa de mais um obreiro: não o encadeiemos no matrimônio.
D. LEONOR — Não sei se devo sorrir
do pedido...
BARÃO — Deve sorrir, sorrir e fechar-nos a porta. Terá os meus agradecimentos e as bênçãos da
posteridade.
D. LEONOR — Não é preciso tanto;
posso fechá-la de graça.
BARÃO — Justo. O verdadeiro
benefício é gratuito.
D. LEONOR — Antes, porém, de nos
despedirmos, desejava dizer uma coisa e perguntar outra. (O Barão
curva-se). Direi primeiramente que ignoro se há tal paixão da parte de seu
sobrinho; em segundo lugar, perguntarei se na Suécia estes pedidos são usuais.
BARÃO — Na geografia intelectual
não há Suécia nem Brasil; os países são outros: astronomia, geologia,
matemáticas; na botânica são obrigatórios.
D. LEONOR — Todavia, à força de
andar com flores... deviam os botânicos trazê-las
consigo.
BARÃO — Ficam no gabinete.
D. LEONOR — Trazem os espinhos
somente.
BARÃO — V. Excia. tem espírito. Compreendo a afeição de Henrique a esta
casa. (Levanta-se). Promete-me então...
D. LEONOR (levantando-se) — Que
faria no meu caso?
BARÃO — Recusava.
D. LEONOR — Com prejuízo da
ciência?
BARÃO — Não, porque nesse caso a
ciência mudaria de acampamento, isto é, o vizinho prejudicado escolheria outro bairro
para seus estudos.
D. LEONOR — Não lhe parece que era
melhor ter feito isso mesmo, antes de arriscar um pedido ineficaz?
BARÃO — Quis primeiro tentar
fortuna.
D. LEONOR — Entra, não é assunto
reservado. O Sr. Barão de Kernoberg... (Ao Barão) É
minha sobrinha Helena. (À Helena) Aqui o Sr. Barão vem pedir que o não perturbemos no estudo da botânica. Diz que o seu
sobrinho Henrique está destinado a um lugar honroso na ciência, e... conclua, Sr. Barão.
BARÃO — Não convém que se case, a
ciência exige o celibato.
D. LEONOR — Ouviste?
D. HELENA — Não compreendo...
BARÃO — Uma paixão louca de meu sobrinho pode impedir
que... Minhas senhoras, não desejo roubar-lhes mais tempo... Confio
CENA VII
D. HELENA — Realmente...
D. LEONOR — Perdôo-lhe em nome da
ciência. Fique com as suas ervas, e não nos aborreça mais, nem ele nem o
sobrinho.
D. HELENA Nem o sobrinho?
D. LEONOR — Nem o sobrinho, nem o criado,
nem o cão, se o houver, nem coisa nenhuma que tenha relação com a ciência.
Enfada-te? Pelo que vejo, entre o Henrique e a Cecília há tal ou qual namoro?
D. HELENA — Se promete segredo... há.
D. LEONOR — Pois acabe-se o namoro.
D. HELENA — Não é fácil. O
Henrique é um perfeito cavalheiro; ambos são dignos um do outro. Por que razão impediremos que dois corações...
D. LEONOR — Não sei de corações,
não hão de faltar casamentos a Cecília.
D. HELENA — Certamente que não,
mas os casamentos não se improvisam nem se projetam na cabeça; são atos do
coração, que a igreja santifica. Tentemos uma coisa.
D. LEONOR — Que é?
D. HELENA — Reconciliemo-nos com o
Barão.
D. LEONOR — Nada, nada.
D. HELENA — Pobre Cecília!
D. LEONOR — É ter paciência, sujeite-se
às circunstâncias... (A D. Cecília, que entra) Ouviste?
D. CECÍLIA — O que, titia?
D. LEONOR — Helena te explicará
tudo. (A D. Helena, baixo). Tira-lhe todas as esperanças. (Indo-se). Que urso! que urso!
D. HELENA — Aconteceu... (Olha
com tristeza para ela).
D. CECÍLIA — Acaba.
D. HELENA — Pobre Cecília!
D. CECÍLIA — Titia recusou a minha
mão?
D. HELENA — Qual! O Barão é que se
opõe ao casamento.
D. CECÍLIA — Opõe-se!
D. HELENA Diz que a ciência
exige o celibato do sobrinho. (D. Cecília encosta-se a uma cadeira). Mas,
sossega; nem tudo está perdido; pode ser que o tempo...
D. CECÍLIA — Mas quem impede que
ele estude?
D. HELENA — Mania de sábio. Ou
então, evasiva do sobrinho.
D. CECÍLIA Oh! não! é impossível; Henrique é uma
alma angélica! Respondo por ele. Há de certamente opor-se a semelhante
exigência...
D. HELENA — Não convém precipitar
as coisas. O Barão pode zangar-se e ir-se embora.
D. CECÍLIA — Que devo então fazer?
D. HELENA — Esperar. Há tempo para
tudo.
D. CECÍLIA — Pois bem, quando
Henrique vier...
D. HELENA — Não vem, titia
resolveu fechar a porta a ambos.
D. CECÍLIA — Impossível!
D. HELENA — Pura verdade. Foi uma
exigência do Barão.
D. CECÍLIA — Ah! conspiram todos contra mim. (Põe as mãos na cabeça). Sou
muito infeliz! Que mal fiz eu a essa gente? Helena, salva-me!
Ou eu mato-me! Anda, vê se descobres um meio...
D. HELENA (indo sentar-se) — Que
meio?
D. CECÍLIA (acompanhando-a) — Um
meio qualquer que não nos separe!
D. HELENA — Há um.
D. CECÍLIA — Qual? Dize.
D. HELENA — Casar.
D. CECÍLIA — Oh! não zombes de mim! Tu também amaste, Helena; deves respeitar estas angustias. Não tornar a ver o meu Henrique é uma idéia
intolerável. Anda, minha irmãzinha. (Ajoelha-se
inclinando o corpo sobre o regaço de D. Helena). Salva-me!
És tão inteligente, que hás de achar por força alguma idéia; anda, pensa !
D. HELENA (beijando-lhe a
testa) -Criança! supões que seja tão fácil assim?
D. CECÍLIA — Para ti há de ser
fácil.
D. HELENA — Lisonjeira! (Pega
maquinalmente no livro deixado pelo Barão sobre a cadeira). A boa vontade
não pode tudo; é preciso... (Tem aberto o livro). Que livro é este?...
Ah! talvez do Barão.
D. CECÍLIA — Mas vamos... continua.
D. HELENA — Isto há de ser
sueco... trata talvez de botânica. Sabes sueco?
D. CECÍLIA — Helena!
D. HELENA — Quem sabe se este
livro pode salvar tudo? (Depois de um instante de reflexão). Sim,
é possível. Tratará de botânica?
D. CECÍLIA — Trata.
D. HELENA — Quem te disse?
D. CECÍLIA — Ouvi dizer ao Barão,
trata das...
D. HELENA — Das...
D. CECÍLIA — Das gramíneas?
D. HELENA — Só das gramíneas?
D. CECÍLIA — Não sei; foi premiado
pela Academia de Estocolmo.
D. HELENA — De Estocolmo. Bem. (Levanta-se).
D. CECÍLIA (levantando-se) — Mas
que é?
D. HELENA — Vou mandar-lhe o
livro...
D. CECÍLIA — Que mais?
D. HELENA — Com um bilhete.
D. CECÍLIA (olhando para a
direita) Não é preciso; lá vem ele.
D. HELENA — Ah!
D. CECÍLIA — Que vais fazer?
D. HELENA — Dar-lhe o livro.
D. CECÍLIA — O livro, e...
D. HELENA — E as despedidas.
D. CECÍLIA — Não compreendo.
D. HELENA — Espera e verás.
D. CECÍLIA — Não posso encara-lo; adeus.
D. HELENA — Cecília! (D. Cecília
sai).
D. HELENA (com o livro na mão)
— Será este?
BARÃO (caminhando para ela) — Justamente.
D. HELENA — Escrito em sueco,
penso eu...
BARÃO — Em sueco.
D. HELENA — Trata naturalmente de
botânica.
BARÃO — Das gramíneas.
D. HELENA (com interesse) — Das
gramíneas!
BARÃO — De que se espanta?
D. HELENA — Um livro publicado...
BARÃO — Ha quatro meses.
D. HELENA — Premiado pela Academia
de Estocolmo?
BARÃO (admirado) — É
verdade. Mas...
D. HELENA — Que pena que eu não
saiba sueco!
BARÃO — Tinha noticia do livro?
D. HELENA — Certamente. Ando
ansiosa por lê-lo.
BARÃO — Perdão, minha senhora.
Sabe botânica?
D. HELENA — Não ouso dizer que
sim, estudo alguma coisa; leio quando posso. É ciência profunda e encantadora.
BARÃO (com calor) — É a
primeira de todas.
D. HELENA — Não me atrevo a apóia-lo, porque nada sei das outras, e poucas luzes tenho
de botânica, apenas as que pode dar um estudo solitário e deficiente. Se a
vontade suprisse o talento...
BARÃO — Por que não? Le
génie, c'est la patience, dizia Buffon.
D. HELENA (sentando-se) — Nem
sempre.
BARÃO — Realmente, estava longe de
supor, que, tão perto de mim, uma pessoa tão distinta dava algumas horas vagas
ao estudo da minha bela ciência.
D. HELENA — Da sua esposa.
BARÃO (sentando) — É
verdade. Um marido pode perder a mulher, e se a amar deveras, nada a compensará
neste mundo, ao passo que a ciência não morre... Morremos nós, ela sobrevive
com todas as graças do primeiro dia, ou ainda maiores, porque cada descoberta é
um encanto novo.
D. HELENA — Oh! tem razão!
BARÃO — Mas, diga-me V. Excia.: tem feito estudo especial
das gramíneas?
D. HELENA — Por alto... por alto...
BARÃO — Contudo, sabe que a
opinião dos sábios não admitia o perianto... (D. Helena faz sinal
afirmativo). Posteriormente reconheceu-se a existência do perianto. (Novo
gesto de D. Helena). Pois este livro refuta a segunda opinião.
D. HELENA — Refuta o perianto?
BARÃO — Completamente.
D. HELENA — Acho temeridade.
BARÃO — Também eu supunha isso...
Li-o, porém, e a demonstração é claríssima. Tenho pena que não possa lê-lo. Se
me dá licença, farei uma tradução portuguesa e daqui a duas semanas...
D. HELENA — Não sei se deva
aceitar...
BARÃO — Aceite; é o primeiro passo
para me não recusar segundo pedido.
D. HELENA — Qual?
BARÃO — Que me deixe acompanhá-la em
seus estudos, repartir o pão do saber com V. Excia. É
a primeira vez que a fortuna me depara uma discípula. Discípula é, talvez,
ousadia da minha parte...
D. HELENA — Ousadia, não; eu sei
muito pouco; posso dizer que não sei nada.
BARÃO — A modéstia é o aroma do
talento, como o talento é o esplendor da graça. V. Excia. possui tudo isso. Posso compará-la à violeta, — Viola odorata de Lineu, — que é formosa e recatada...
D. HELENA (interrompendo) — Pedirei
licença à minha tia. Quando será a primeira lição?
BARÃO — Quando quiser. Pode ser
amanhã. Tem certamente notícia da anatomia vegetal.
D. HELENA — Notícia incompleta.
BARÃO — Da fisiologia?
D. HELENA — Um pouco menos.
BARÃO — Nesse caso, nem a
taxonomia, nem a fitografia...
D. HELENA — Não fui até lá.
BARÃO — Mas há de ir... Verá que
mundos novos se lhe abrem diante do espírito. Estudaremos, uma por uma, todas
as famílias, as orquídeas, as jasmíneas, as rubiáceas, as oleáceas, as
narcíseas, as umbelíferas, as...
D. HELENA — Tudo, desde que se
trata de flores.
BARÃO — Compreendo: amor de
família.
D. HELENA — Bravo! um cumprimento!
BARÃO (folheando o livro) — A ciência os permite.
D. HELENA (à parte) — O
mestre é perigoso. (Alto). Tinham-me dito exatamente o contrário; disseram-me
que o Sr. Barão era... não sei como diga... era...
BARÃO — Talvez um urso.
D. HELENA — Pouco mais ou menos.
BARÃO — E sou.
D. HELENA — Não creio.
BARÃO — Por que não crê?
D. HELENA — Porque o vejo amável.
BARÃO — Suportável apenas.
D. HELENA — Demais, imaginava-o
uma figura muito diferente, um velho macilento, melenas caídas, olhos encovados.
BARÃO — Estou velho, minha senhora.
D. HELENA — Trinta e seis anos.
BARÃO — Trinta e nove.
D. HELENA — Plena mocidade.
BARÃO — Velho para o mundo. Que
posso eu dar ao mundo senão a minha prosa científica?
D. HELENA — Só uma
coisa lhe acho inaceitável.
BARÃO — Que é?
D. HELENA — A teoria de que o amor
e a ciência são incompatíveis.
BARÃO — Oh! isso...
D. HELENA — Dá-se o espírito à
ciência e o coração ao amor. São territórios diferentes, ainda que limítrofes.
BARÃO — Um acaba por anexar o
outro.
D. HELENA — Não creio.
BARÃO — O casamento é uma bela
coisa, mas o que faz bem a uns, pode fazer mal a outros. Sabe que Mafoma não permite o uso do vinho aos seus sectários. Que
fazem os turcos? Extraem o suco de uma planta, da família das papaveráceas,
bebem-no, e ficam alegres. Esse licor, se nós o bebêssemos, matar-nos-ia. O
casamento, para nós, é o vinho turco.
D. HELENA (erguendo os ombros) -Comparação não é
argumento. Demais, houve e há sábios casados.
BARÃO — Que seriam mais sábios se
não fossem casados.
D. HELENA — Não fale assim. A
esposa fortifica a alma do sábio. Deve ser um quadro delicioso para o homem que
despende as suas horas na investigação da natureza, faze-lo ao lado da mulher
que o ampara e anima, testemunha de seus esforços, sócia de suas alegrias,
atenta, dedicada, amorosa. Será vaidade de sexo? Pode ser, mas eu creio que o
melhor premio do mérito é o sorriso da mulher amada. O aplauso público é mais
ruidoso, mas muito menos tocante que a aprovação doméstica.
BARÃO (depois de um instante de
hesitação e luta) — Falemos da nossa lição.
D. HELENA — Amanhã, se minha tia
consentir. (Levanta-se). Até amanhã, não?
BARÃO — Hoje mesmo, se o ordenar.
D. HELENA — Acredita que não
perderei o tempo?
BARÃO — Estou certo que não.
D. HELENA — Serei acadêmica de
Estocolmo?
BARÃO — Conto que terei essa honra.
D. HELENA (cortejando) — Até
amanhã.
BARÃO (o mesmo) — Minha
senhora! (D. Helena sai pelo fundo, esquerda, o Barão caminha para a
direita, mas volta para buscar o livro que ficara sobre a cadeira ou sofá).
D. LEONOR (vendo o Barão) — Ah!
BARÃO — Voltei há dois minutos;
vim buscar este livro. (Cumprimentando). Minha senhora!
D. LEONOR — Senhor Barão!
BARÃO (vai até à porta e volta)
— Creio que V. Excia. não me fica querendo mal?
D. LEONOR — Certamente que não.
BARÃO (cumprimentando) — Minha
senhora!
D. LEONOR (idem) — Senhor
Barão!
BARÃO (vai até à porta e volta)
— A senhora D. Helena não lhe falou agora?
D. LEONOR — Sobre que?
BARÃO — Sobre umas lições de
botânica...
D. LEONOR — Não me falou em nada...
BARÃO (cumprimentando) — Minha
senhora!
D. LEONOR (idem) — Senhor
Barão! (Barão sai). Que esquisitão! Valia a pena cultivá-lo de perto.
BARÃO (reaparecendo) — Perdão...
D. LEONOR — Ah! Que manda?
BARÃO (aproxima-se) — Completo
a minha pergunta. A sobrinha de V. Excia. falou-me em receber algumas lições de botânica; V. Excia. consente? (Pausa). Há de parecer-lhe esquisito este pedido, depois do que tive a honra de
fazer-lhe há pouco...
D. LEONOR — Sr. Barão, no meio de tantas cópias e imitações humanas...
BARÃO — Eu acabo: sou original.
D. LEONOR — Não ouso dizê-lo.
BARÃO — Sou; noto, entretanto, que
a observação de V. Excia. não responde à minha pergunta.
D. LEONOR — Bem sei; por isso
mesmo é que a fiz.
BARÃO — Nesse caso...
D. LEONOR — Nesse caso, deixe-me
refletir.
BARÃO — Cinco minutos?
D. LEONOR — Vinte e quatro horas.
BARÃO — Nada menos?
D. LEONOR — Nada menos.
BARÃO (cumprimentando) — Minha
senhora!
D. LEONOR (idem) — Senhor
Barão! (Sai o Barão).
CENA XI
D. CECÍLIA (entrando) — Helena! (D. Leonor volta-se). Ah! é titia.
D. LEONOR — Sou eu.
D. CECÍLIA — Onde está Helena?
D. LEONOR — Não sei, talvez lá em
cima. (D. Cecília dirige-se para o fundo). Onde vais?...
D. CECÍLIA — Vou...
D. LEONOR — Acaba.
D. CECÍLIA — Vou concertar o
penteado.
D. LEONOR — Vem cá; concerto eu. (D.
Cecília aproxima-se de D. Leonor). Não é preciso, está excelente. Diz-me:
estás muito triste?
D. CECÍLIA (muito triste) — Não,
senhora; estou alegre.
D. LEONOR — Mas, Helena disse-me
que tu...
D.CECÍLIA — Foi gracejo.
D. LEONOR — Não creio; tens alguma
coisa que te aflige; hás de contar-me tudo.
D. CECÍLIA — Não posso.
D. LEONOR — Não tens confiança em
mim?
D. CECÍLIA- Oh! toda!
D. LEONOR — Pois eu exijo... (Vendo
Helena, que aparece à porta do fundo, esquerda). Ah! chegas a propósito.
D. LEONOR — Explica-me que
historia é essa que me contou o Barão?
D. CECÍLIA (com curiosidade) — O
Barão?
D. LEONOR — Parece que estás
disposta a estudar botânica.
D. HELENA — Estou.
D. CECÍLIA (sorrindo) — Com
o Barão?
D. HELENA — Com o Barão.
D. LEONOR — Sem o meu
consentimento?
D. HELENA — Com o seu
consentimento.
D. LEONOR — Mas de que te serve
saber botânica?
D. HELENA — Serve para conhecer as
flores dos meus bouquets, para não
confundir jasmíneas com rubiáceas, nem bromélias com umbelíferas.
D. LEONOR — Com que?
D. HELENA — Umbelíferas.
D.LEONOR — Umbe...
D. HELENA — ... líferas. Umbelíferas.
D. LEONOR — Virgem santa! E que
ganhas tu com esses nomes bárbaros?
D. HELENA — Muita coisa.
D. CECÍLIA (à parte) — Boa
Helena! Compreendo tudo.
D. HELENA — O perianto, por
exemplo; a senhora talvez ignore a questão do perianto... a questão das gramíneas...
D. LEONOR — E dou graças a Deus!
D. CECÍLIA (animada) — Oh! deve ser uma questão importantíssima!
D. LEONOR (espantada) — Também
tu!
D. CECÍLIA — Só o nome! Perianto.
É nome grego, titia, um delicioso nome grego. (À parte). Estou
morta por saber do que se trata.
D. LEONOR — Vocês fazem-me perder
o juízo! Aqui andam bruxas, de certo. Perianto de um lado, bromélias de outro;
uma língua de gentios, avessa à gente cristã. Que quer dizer tudo isso?
D. CECÍLIA — Quer dizer que a
ciência é uma grande coisa e que não há remédio senão adorar a botânica.
D. LEONOR — Que mais?
D. CECÍLIA — Que mais? Quer dizer
que a noite de hoje há de estar deliciosa, e poderemos ir ao teatro lírico.
Vamos, sim? Amanhã é o baile do conselheiro e sábado o casamento da Júlia
Marcondes. Três dias de festas! Prometo divertir-me muito, muito, muito. Estou
tão contente! Ria-se, titia; ria-se e dê-me um beijo!
D. LEONOR — Não dou, não, senhora.
Minha opinião é contra a botânica, e isto mesmo vou escrever ao Barão.
D. HELENA — Reflita primeiro;
basta amanhã!
D. LEONOR — Há de ser hoje mesmo! Esta
casa está ficando muito sueca; voltemos a ser brasileiras. Vou escrever ao
urso. Acompanha-me, Cecília; hás de contar-me o que lia. (Saem).
CENA XIII
BARÃO (aproximando-se) — Perdão,
minha senhora. Ao atravessar a chácara ia pensando no nosso acordo, e, sinto
dizê-lo, mudei de resolução.
D. HELENA — Mudou
BARÃO (aproximando-se) — Mudei.
D. HELENA — Pode saber-se o
motivo?
BARÃO — São três. O primeiro é o
meu pouco saber... Ri-se?
D. HELENA — De incredulidade. O
segundo motivo...
BARÃO — O segundo motivo é o meu
D. HELENA — Vejamos o terceiro.
BARÃO — O terceiro é a sua idade.
Vinte e um anos, não?
D. HELENA — Vinte e dois.
BARÃO — Solteira?
D. HELENA — Viúva.
BARÃO — Perpetuamente viúva?
D. HELENA — Talvez.
BARÃO — Nesse caso, quarto motivo:
D. HELENA — Conclusão: todo o
nosso acordo está desfeito.
BARÃO — Não digo que esteja; só
por mim não o posso romper. V. Excia., porém, avaliará as razões que lhe dou, e decidirá se ele
deve ser mantido.
D. HELENA — Suponha que respondo
BARÃO — Paciência! obedecerei.
D. HELENA — De má vontade?
BARÃO — Não; mas com grande
desconsolação.
D. HELENA — Pois, Sr. Barão, não desejo violentá-lo; está livre.
BARÃO — Livre, e não menos desconsolado.
D. HELENA — Tanto melhor!
BARÃO — Como assim?
D. HELENA — Nada mais simples:
vejo que é caprichoso e incoerente.
BARÃO — Incoerente, é verdade.
D. HELENA — Irei procurar outro
mestre.
BARÃO — Outro mestre! Não faça
isso.
D. HELENA — Por
que?
BARÃO — Porque... (Pausa). Vossa Excia. é inteligente bastante para dispensar mestres.
D. HELENA — Quem lho disse?
BARÃO — Adivinha-se.
D. HELENA — Bem; irei queimar os
olhos nos livros.
BARÃO — Oh! seria estragar as mais belas flores do mundo!
D. HELENA (sorrindo) — Mas
então nem mestres nem livros?
BARÃO — Livros, mas aplicação
moderada. A ciência não se colhe de afogadilho; é preciso
penetra-la com segurança e cautela.
D. HELENA — Obrigada. (Estendendo-lhe
a mão). E visto que me recusa as suas lições, adeus.
BARÃO — Já!
D. HELENA — Pensei que queria
retirar-se.
BARÃO — Queria e custa-me. Em todo
caso, não desejava sair sem que V. Excia. me dissesse francamente o que pensa de mim. Bem ou mal?
D. HELENA — Bem e mal.
BARÃO — Pensa então...
D. HELENA — Penso que é
inteligente e bom, mas caprichoso e egoísta.
BARÃO — Egoísta!
D. HELENA — Em toda a força da
expressão. (Senta-se). Por egoísmo — científico, é verdade, — opõe-se às
afeições de seu sobrinho; por egoísmo, recusa-me as suas lições. Creio que o Sr. Barão nasceu para mirar-se no vasto espelho da natureza,
a sós consigo, longe do mundo, e seus enfados. Aposto que — desculpe a
indiscrição da pergunta — aposto que nunca amou?
BARÃO — Nunca.
D. HELENA — De maneira que nunca
uma flor teve a seus olhos outra aplicação, além do estudo?
BARÃO — Engana-se.
D HELENA — Sim?
BARÃO — Depositei algumas coroas
de goivos no túmulo de minha mãe.
D. HELENA — Ah!
BARÃO — Há em mim alguma coisa mais
do que eu mesmo. Há a poesia das afeições por baixo da prova científica. Não a
ostento, é verdade; mas sabe V. Excia. o que tem sido a minha vida? Um claustro. Cedo perdi o que
havia mais caro: a família. Desposei a ciência, que me tem servido de alegrias,
consolações e esperanças. Deixemos, porém, tão tristes memórias.
D. HELENA — Memórias de homem; até
aqui eu só via o sábio.
BARÃO — Mas o sábio reaparece e
enterra o homem. Volto à vida vegetativa... se me é
lícito arriscar um trocadilho em português, que eu não sei bem se o é. Pode ser
que não passe de aparência. Todo eu sou aparências, minha senhora, aparências
de homem, de linguagem e até de ciência...
D. HELENA — Quer que o elogie?
BARÃO — Não; desejo que me perdoe.
D. HELENA — Perdoar-lhe o que?
BARÃO — A incoerência de que me
acusava há pouco.
D. HELENA — Tanto perdôo que o
imito. Mudo igualmente de resolução, e dou de mão ao estudo.
BARÃO — Não faça isso!
D HELENA — Não lerei uma só linha
de botânica, que é a mais aborrecível ciência do mundo.
BARÃO — Mas o seu talento...
D. HELENA — Não tenho talento;
tinha curiosidade.
BARÃO — É a chave do saber.
D. HELENA — Que monta isso? A
porta fica tão longe!
BARÃO — É certo, mas o caminho é
de flores.
D. HELENA — Com espinhos.
BARÃO — Eu lhe quebrarei os
espinhos.
D. HELENA — De que modo?
BARÃO — Serei seu mestre.
D. HELENA (levanta-se) — Não!
Respeito os seus escrúpulos. Subsistem, penso
BARÃO — É a última palavra de
Vossa Excia.?
D. HELENA — Última.
BARÃO (com ar de despedida) — Nesse
caso... aguardo as suas ordens.
D. HELENA — Que se não esqueça de
nós.
BARÃO — Crê possível que me
esquecesse?
D. HELENA — Naturalmente: um conhecimento
de vinte minutos...
BARÃO — O tempo importa pouco ao
caso. Não me esquecerei nunca mais destes vinte minutos, os melhores da minha
vida, os primeiros que hei realmente vivido. A ciência não é tudo, minha
senhora. Há alguma coisa mais, além do espírito, alguma coisa essencial ao
homem, e...
D. HELENA — Repare, Sr. Barão, que está falando à sua ex-discípula.
BARÃO — A minha ex-discípula tem
coração, e sabe que o mundo intelectual é estreito para conter o homem todo;
sabe que a vida moral é uma necessidade do ser pensante.
D. HELENA — Não passemos da
botânica à filosofia, nem tanto à terra, nem tanto ao
céu. O que o Sr. Barão quer dizer, em boa e mediana
prosa, é que estes vinte minutos de palestra não o enfadaram de todo. Eu digo a
mesma coisa. Pena é que fossem só vinte minutos, e que o Sr. Barão volte às suas amadas plantas; mas é força ir ter com elas, não quero
tolher-lhe os passos. Adeus! (Inclinando-se como a despedir-se).
BARÃO (cumprimentando) — Minha
senhora! (Caminha até à porta e pára). Não transporei mais esta porta?
D. HELENA — Já a fechou por suas
próprias mãos.
BARÃO — A chave está nas suas.
D. HELENA (olhando para as mãos)
— Nas minhas?
BARÃO (aproximando-se) — Decerto.
D. HELENA — Não a vejo.
BARÃO — É a esperança. Dê-me a
esperança de que...
D. HELENA (depois de uma pausa)
— A esperança de que...
BARÃO — A esperança de que... a esperança de...
D. HELENA (que tem tirado uma
flor de um vaso) — Creio que lhe será mais fácil definir esta flor.
BARÃO — Talvez.
D. HELENA — Mas não é preciso
dizer mais: adivinhei-o.
BARÃO (alvoroçado) — Adivinhou?
D. HELENA — Adivinhei que quer a
todo o transe ser meu mestre.
BARÃO (friamente) — É isso.
D. HELENA — Aceito.
BARÃO — Obrigado.
D. HELENA — Parece-me que ficou
triste?...
BARÃO — Fiquei, pois que só
adivinhou metade do meu pensamento. Não adivinhou que eu... por que o não direi? di-lo-ei francamente... Não
adivinhou que...
D. HELENA — Que...
BARÃO (depois de alguns esforços
para falar) — Nada... nada...
D. LEONOR (dentro) — Não
admito!
CENA XIV
D. LEONOR — Não admito, já disse!
Não te faltam casamentos. (Vendo o Barão). Ainda aqui!
BARÃO — Ainda e sempre, minha
senhora.
D. LEONOR — Nova originalidade.
BARÃO — Oh! não!
A coisa mais vulgar do mundo. Refleti, minha senhora,
e venho pedir para meu sobrinho a mão de sua encantadora sobrinha. (Gesto
de Cecília).
D. LEONOR — A mão de Cecília!
D. CECÍLIA — Que ouço!
BARÃO — O que eu lhe pedia há
pouco era uma extravagância, um ato de egoísmo e violência, além de descortesia
que era, e que V. Excia. me perdoou, atendendo à singularidade das minhas maneiras. Vejo tudo isso agora...
D. LEONOR — Não me oponho ao
casamento, se for do agrado de Cecília.
D. CECÍLIA (baixo, a D.
Helena) Obrigada! Foste tu...
D. LEONOR — Vejo que o Sr. Barão refletiu.
BARÃO — Não foi só reflexão, foi
também resolução.
D. LEONOR — Resolução?
BARÃO (gravemente) — Minha
senhora, atrevo-me a fazer outro pedido.
D. LEONOR — Ensinar botânica à
Helena? Já me deu vinte e quatro horas para responder.
BARÃO — Peço-lhe mais do que isso;
V. Excia. que é, por assim
dizer, irmã mais velha de sua sobrinha, pode intervir junto dela para... (Pausa).
D. LEONOR — Para...
D. HELENA — Acabo eu. O que o Sr. Barão deseja é a minha mão.
BARÃO — Justamente!
D. LEONOR (espantada) — Mas...
Não compreendo nada.
BARÃO — Não é preciso compreender;
basta pedir.
D. HELENA — Não basta pedir; é
preciso alcançar.
BARÃO — Não alcançarei?
D. HELENA — Dê-me três meses de
reflexão.
BARÃO — Três meses é a eternidade
D. HELENA — Uma eternidade de
noventa dias.
BARÃO — Depois dela, a felicidade
ou o desespero?
D. HELENA (estendendo-lhe a
mão) — Está nas suas mãos a escolha. (A D.
Leonor). Não se admire tanto, titia; tudo isto é botânica aplicada.